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Entrevista com a realizadora
Como surgiu a ideia para este filme?
A propósito de uma frase de Marguerite Duras: “Esperar pelo amor já é o amor”… aquilo que existe e que escapa aqueles que acreditam, esta distância entre o ideal e a realidade. A vida de uma música está na corda bamba entre o tudo e o nada. Pensei numa violoncelista.
CADÊNCIAS OBSTINADAS revela duas trajectórias coexistentes mas opostas, à imagem das escadas que se sobem e se descem: a edificação de um hotel e a destruição de um amor. Era esta a história que desejava contar?
Ao mesmo tempo que o amor é destruído, o hotel é construído. Ao mesmo tempo que Furio se dedica ao seu trabalho, Margo empalidece com a perda de um amor. Os fundamentos do amor não são os mesmos para Margo e para Furio da mesma forma que as fundações do hotel não são compatíveis com as normas em vigor. A personagem de Margo espera que o amor seja fulgurante, mais do que confortável. Exigindo ao amor ser tudo, destruímo-lo. Ela dedicou tudo ao amor, sacrificando a música, esperando que ele a recompensasse. Ela não chega a resignar-se à banalidade quotidiana. Obcecada pelo seu sentimento de que perdeu tudo, Margo passa ao lado daquilo que a vida lhe poderia dar.
Significa isto que o exercício de uma Arte e o Amor são incompatíveis?
A Arte não é um trabalho e o amor não é um hábito. A Arte ocupa o lugar que o amor não consegue preencher ou não preenche mais. A Arte e o Amor se não são inimigos são adversários que, no entanto, se alimentam um do outro. Margo, com a música e com o amor, procura o ponto de ruptura. Ensaiar violoncelo (mesmo para uma ocasião menor) é, para Margo, uma forma de se salvar. Aquilo que ela retira da Arte e dos seus caminhos, ela não conseguiu compreender no Amor.
Ela diz: “Eu amei. Já não sou amada”.
Sim, é o sentimento de perda. Abandonada, ela cai num abismo. Uma personagem do filme diz-lhe “Prefiro destruir do que me habituar à fealdade”. Ela percebe que é exactamente isso aquilo em que acredita. Pode passar para palavras aquilo que viveu, pode precipitar o fim.
Furio (Nuno Lopes), diz-lhe: “Estas a dar espectáculo. Passas por uma louca.” Será louca? Ou sobretudo uma mulher que enfrenta as proibições?
Não, Margo não é louca, ela está sempre tentada a atear fogo ao sagrado. Existem aqueles que são calmos e que são gratos à vida, e outros que querem queimá-la e queimarem-se.É também uma mulher que procura o seu lugar num mundo viril...
Num mundo diferente. Ela adora o antagonismo e o confronto porque no confronto definimo-nos melhor, somos obrigados a formular as coisas, porque se elas permanecerem obscuras, ficarão perdidas.
“Cadências Obstinadas” é ainda um filme sobre a traição dos seus próprios ideias. Dos ideais de juventude. O professor de música de Margo realça o facto de ela ter traído a sua vocação, a sua carreira.
Margo acredito no Amor. Ela traiu a música. Carrega essa traição como uma ferida pela qual é a única responsável. O seu duplo masculino é Carmine (Franco Nero), esse homem de acções problemáticas e ilegais teve, também ele, um ideal, um envolvimento político que terminou. Ele preferiu renegar tudo a enterrar-se no cinismo e no arrivismo.
Furio procura não renunciar à sua integridade, sem conseguir...
No seu desejo de ser bem sucedido, Furio esforça-se para fazer as coisas bem. Ele não tem um ideal, é pragmático, tem boa vontade mas, ao aceitar os compromissos, perde-se.
Cada um à sua maneira tem de pagar as suas dúvidas.
Tudo tem um preço. Qualquer coisa. É a eterna história do Lobo e do Cão (La Fontaine).
Como se fez a escolha dos actores?
A terra pertence a quem a trabalha”: um actor que diz sim a uma personagem, quer seja numa história no cinema ou no teatro, é sempre o melhor. Adoro os sotaques, as palavras têm outro eco, o fraseado tem outra cadência. As personagens italianas, portuguesas, holandesas ou romenas são apenas passageiros desta cidade nunca nomeada, o único francês que está sempre por lá é o padre Villedieu.
Asia Argento é muito animal...
A Margo é uma mulher atormentada mas não é uma vítima. A sua provocação é uma forma de guardar o equilíbrio que ela está sempre prestes a perder. É quase irritante e, logo de seguida, desarmante.
E ela é parecida consigo... A voz... A forma como anda...
Acha? (sorri)
Falando de Gérard Depardieu...
Ele apareceu, mesmo assim, numa noite de Inverno, interpretou o papel de um padre que é como um Anjo da Guarda, que ouve, que compreende sem julgar, que espera...
Falando agora das suas escolhas de mise en scène. É um filme muito pictórico.
Quis, muitas vezes, que as personagens estivessem sozinhas no plano. Tal como não existe ninguém para falar quando nos sentimos sozinhos. Queria portas fechadas, paredes nuas. Não quis mostrar o céu. Queria uma cidade quase fantasma, uma que não existe na realidade.
A música está muito presente.
Jean-Michel Bernard compôs um tema e depois criou várias declinações, como uma obsessão. O violoncelo, tocado por Sonia Wieder Atherton, apenas é ouvido enquanto Margo é violoncelista – a música bem-sucedida que ela não deixa de ser mesmo quando não tem público. E depois há a canção de Luigi Tenco, “Ho capito che ti amo”, uma canção de amor que é em simultâneo um talismã e um pressentimento.
É um filme que funciona por metáforas, igualmente.
Sim. O restauro do fresco é como uma lição de aprendizagem para Margo daquilo que pode ser salvo do passado ou mesmo reinventado.
“Cadências Obstinadas”? Porquê este título?
As cadências do trabalho, as cadências musicais, as cadências do coração.
Filmografia de Fanny Ardant
